14/11/2010

O Ensino da Fraude (repost)





O presente artigo foi escrito por dois professores, ligados ao ensino secundário e superior.Os seus nomes, constam no fim do texto, somente com as iniciais, para resguardo da vida privada, e publicação deste texto .


Destina-se a alertar a sociedade Portuguesa relativamente ao estado catastrófico em que o sistema de ensino se tem vindo a encontrar, e das razões que justificam essa situação. Se na leitura do mesmo ocorrer uma sensação de ter estado a dormir durante as últimas décadas, será então a altura de acordar. Este assunto diz-nos respeito a todos, e as consequências desta fraude politicamente correcta a que continuamos a chamar ensino serão irremediáveis.

Muito se tem discutido, nos últimos anos, acerca da qualidade do ensino em Portugal. Não é segredo para ninguém que, após o 25 de Abril, o sistema de ensino sofreu profundas remodelações e que a própria filosofia do sistema de ensino se tenha modificado de uma maneira irreversível. Durante esse período, em particular na última década e em especial durante o período de governação socialista a remodelação do sistema educacional tem sido muito activa, embora não do ponto de vista qualitativo. Essencialmente, a política demagógica dos últimos governos está a transformar o ensino numa espécie de fábrica de diplomas, onde são observadas como determinantes as estatísticas de progressão e de aprovação dos alunos, sem que haja a preocupação com a qualidade do ensino, onde a autonomia e o poder dos professores é reduzida ao mínimo, de modo a que possa haver o máximo controle destes por parte do estado; onde são aprovadas leis que dão ao ensino uma imagem de pseudo-democracia e pseudo-humanismo, à custa da transferência das responsabilidade de pais e de alunos para professores e de poderes de professores para pais e para alunos, mas onde em vez de se promover a autonomia, a criatividade e a qualidade dos alunos, se procura neles integrar, de uma maneira medíocre, uma filosofia de aceitação, de seguidismo, de estupidez intelectual, sem que haja a mínima preocupação com a qualidade dos conhecimentos que adquiriram ou desenvolveram.
Sem que haja, de nossa parte, um particular esforço em inventar expressões politicamente-correctas para descrever o estado de profunda catástrofe em que este e anteriores governos mergulharam o ensino, a expressão «fábrica de diplomas» adequa-se de uma forma perfeita aquilo que é hoje o ensino em Portugal; essencialmente, uma ferramenta política, manipulada pela mesquinhez de políticos desonestos de modo a satisfazer as primeiras necessidades dos eleitores, e onde os professores são cada vez mais transformados, de facto, em impressores de diplomas.

Não é considerado «estatisticamente normal» dar um 3 numa escala de 20 a um aluno que não fez rigorosamente nada o ano inteiro; não é considerado «estatisticamente normal» reprovar mais do que 50% de uma turma de alunos que chegam ao 11º ano sem conhecimentos do 7º ou 8º e que nada fazem, não é considerado «pedagógico» atribuir a nota mínima a um aluno no básico; mas já é aceitável elevar um 9 para um 10 sem grande discussão; considerar todos os argumentos possíveis e imaginários para aprovar o aluno que por acaso é filho de um professor ou de uma pessoa influente. Um professor sabe que estará numa situação difícil se ao ter problemas com um aluno for o único professor a tê-los, porque será considerado a «prova» estatística como evidente da sua culpa....
Urge então perguntar porquê o sucesso da manipulação estúpida de argumentos estatísticos? Uma escola é considerada bem sucedida quando a percentagem de aprovações é elevada, mesmo que à custa do facilitismo descarado que o sistema impõe aos professores e que professores mais acomodados incutem nos mais novos. A resposta é que é fácil. De facto, é mais simples implementar uma política vergonhosa de facilitismo e aumentar artificialmente a quantidade de alunos com o diploma do 9º ano do que melhorar a qualidade do ensino. É mais fácil aumentar o número de vagas no ensino superior do que criar condições justas para que as pessoas possam aprender ou exercer uma profissão após finalizarem os estudos. É mais fácil, também, diminuir o grau de dificuldade dos exames do 12º ano, de modo a que as estatísticas «demonstrem» que os alunos são bem preparados...

Não se pode ordenar a saída de sala de aula de um aluno que insulta e perturba, é preciso adoptar uma medida «pedagógica» e dar-lhe «tarefas». Mas este estado de coisas vai piorar ainda mais, quando se fizer aprovar a passagem administrativa dos alunos até ao 9º ano de escolaridade, e se a escolaridade se tornar obrigatória até ao 12º ano, quando as escolas se tornarem autónomas, e passarem a não contratar professores que não obedeçam às estatísticas... Aparte disto, aquilo que se observa como mais baixo e mais hipócrita, é o esforço (conseguido em muitos casos) de dar ao ensino uma imagem mais humanista: para «democratizar» as escolas deixam de haver conselhos directivos e passam a haver conselhos executivos (os professores só executam). As escolas passam a ter pseudo-orgãos de gestão constituídos também por encarregados de educação, alunos e funcionários, retirando assim o «ónus» aos professores de gerirem as escolas e desviando o poder de uma forma conveniente. Simultaneamente, aumentam-se as obrigações e o policiamento dos professores, numa estratégia desleal mas altamente demagógica que sugere uma imagem de (falso) rigor. Os professores vivem aterrorizados com a idéia de cometerem alguma falha numa vigilância de um exame, quando poderá surgir alguma «rigorosa» acção disciplinar. Existe uma razão fundamental para que este artigo se escreva hoje, e essa razão é de que, para variar, as pessoas se comecem a aperceber de que o problema de falta de qualidade do ensino em Portugal não se relaciona com uma questão de «má formação pedagógica» dos professores nem de qualquer característica mística que faz dos jovens de hoje em dia uma geração «rasca», mas é sim, em primeiro lugar, o produto de uma gestão criminosa e incompetente do sistema de ensino, aliada a uma política de laboratório de experiências para satisfazer o ego de falsos pedagogos medíocres e, também a uma atitude de profunda inércia e passividade de uma grande maioria de professores que se deixam transformar em «impressores de diplomas». Para isto contribui também a maneira abusiva como os professores no secundário são tratados, a política de contratações desumana que tenta fazer dos professores «descartáveis» (perdão, «candidatos» a professores) uma espécie de instrumentos sem personalidade própria. Era bom que abríssemos os olhos, porque o futuro do nosso país está a ser seriamente comprometido e os danos serão irreversíveis, e nessa altura, só nos poderemos queixar do que não fizemos, do que aceitámos quando poderíamos não ter aceite, daquilo que fingimos não ver, preferindo tranferir as responsabilidades para outros...


A Educação tem um impacto determinante na cultura e, por consequência, na economia duma nação a longo prazo. Por esta razão é muito grande a responsabilidade dos professores. Essa responsabilidade não pode ser escamoteada por causa de políticas de curto prazo. Não se pretende regressar ao passado, apenas lembrar que, mais tarde ou mais cedo, seremos todos obrigados a tomar decisões difíceis e que nessa altura convirá estarmos devidamente preparados.


L. G. (Docente do Departamento de Física da FCT/UNL desde 1994)

G. F. (Professor contratado no Ensino Secundário entre 1997 e 2000)

2 commentaires:

  1. Ainda bem que li esta postagem após ter lido a da confusão geográfica das presidências espanholas e francesas !
    Então digam-me lá se aquilo não é uma prova "provada" da incompetência e falta de cultura da parte de quem assume responsabilidades (ainda que apenas jornalísticas)no nosso país !?
    É claro que não se pretende regressar ao passado em campo algum, mas eu recordo-me da altura em que se podia ler um jornal ou um livro sem tropeçarmos em constantes erros gramaticais, embora existissem por vezes "gralhas" de composição, compreensíveis porque, nessa altura e para quem já não se lembre, as composições dos textos eram feitas letra a letra, dispostas ao contrário, para poderem ser impressas no papel. Agora, são compostas em computador (tal como aqui estou a escrever este texto), com correctores ortográficos e ... veja-se o lindo trabalho de calinadas que nos apresentam. Algumas vezes temos que ler as mesmas frases repetidamente, para lhes compreender o sentido (quando ele existe).
    Mas esta falta de cultura não se aplica apenas a estes casos. Esta falta de cultura é generalizada e, talvez seja também por esse motivo que Portugal está neste estado de caos geral. Como poderemos nós almejar bons profissionais, bons gestores de empresas, bons governantes até, se o ensino fôr este pretenso democrático/demagogo pseudo-ensino ?
    Que rigor e justiça existem na táctica do medo que é exercida sobre os professores ?
    Como pode um professor ensinar devidamente se lhe forem retirados todos os poderes para exercer uma acção verdadeiramente pedagógica do que, inclusivamente, começa por ser o respeito pelas hierarquias e pelo próximo ?
    Hoje em dia, os professores não têm qualquer meio válido de pressionar um aluno que se disponha a "armar confusão" e/ou "marimbar-se" nos estudos. Um professor que o queira fazer, sofre represálias de todos começando pelo próprio aluno, passando pelos paizinhos desse aluno e acabando nas entidades públicas e governativas que lhe deram a titânica tarefa de educar as nossas criancinhas.
    E mais tarde, quando essas criancinhas já deixaram de o ser, transformando-se em empregados, patrões ou mesmo em governantes com as mesmas atitudes displicentes, irresponsáveis e incultas com que foram criados e "ensinados", aí sim, levantam-se as vozes e os dedos para apontar os professores que não exerceram o seu papel pedagógico !
    Mas professores (e rígidos) temos que ser todos nós ! Começando pelos pais ! É a eles que lhes cabe a primordial tarefa de ensino, o "respeito pelas hierarquias, o respeito pelo próximo e a vontade de aprender e ser alguém na vida" !
    Quando se chega ao ponto a que chegámos de perda de valores essenciais como estes que atrás frisei, como fazer para criar uma sociedade competente e progressiva ?
    Com todos os "Direitos" que hoje existem, esqueceram-se completamente de publicar os "Deveres". Tudo seria bem mais fácil se todos compreendessem que os direitos também implicam deveres e que "os meus direitos e deveres terminam onde começam os dos outros" !
    A minha sincera homenagem a todos os professores, mesmo aos que me deram réguadas (que no meu tempo ainda havia disso e todas elas foram merecidas) e aos que me chumbaram educando-me assim como devia de ser, transformando-me assim na pessoa válida e íntegra que me considero ser, com uma noção real de justiça, direitos e deveres ! E também, a minha homenagem aos meus pais, que não foram nos meus "choradinhos e queixas", dando assim o devido valor, ao papel de pedagogia que cabia aos meus professores!

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  2. A triste evolução do ensino na colônia...


    1. Ensino de Matemática até a década de 70:
    Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é igual a 4/5 do preço de venda. Qual é o lucro?

    2. Ensino de Matemática em 1970:
    Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é igual a 4/5 do preço de venda ou R$ 80,00. Qual é o lucro?

    3. Ensino de Matemática em 1980:
    Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo deprodução é R$ 80,00. Qual é o lucro?

    4. Ensino de Matemática em 1990:
    Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo deprodução é R$ 80,00. Escolha a resposta certa, que indica o lucro:
    ( ) R$ 20,00 ( ) R$ 40,00 ( ) R$ 60,00 ( ) R$ 80,00 ( ) R$100,00

    5. Ensino de Matemática em 2000:
    Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é R$ 80,00. O lucro é de R$ 20,00.
    Está certo?
    ( ) Sim ( ) Não

    6. Ensino de Matemática em 2009:
    Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é R$ 80,00. Se você souber ler coloque um X no R$ 20,00.
    ( ) R$ 20,00 ( ) R$ 40,00 ( ) R$ 60,00 ( ) R$ 80,00 ( ) R$100,00

    7. Ensino de matemática em 2010:
    Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é R$ 80,00. Se você souber ler coloque um X no R$ 20,00.

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